Trabalhadores não perdem direitos com a nova lei, afirmam especialistas
Advogados e professores de Direito do Trabalho analisam as novas regras trabalhistas, em vigor a partir deste sábado, 11.
Na opinião de especialistas e acadêmicos de Direito do Trabalho a aplicação das novas regras trabalhistas – em vigor a partir deste sábado, 11 – que mudam mais de 100 pontos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), tem situações positivas, flexibiliza direitos, mas também ainda gera muitos questionamentos e polêmicas.
De acordo com diretor do Instituto Mundo Trabalho e professor da Fundação Santo André, Antonio Carlos Aguiar, as novas regras não retiram nenhum dos direitos garantidos pela Constituição Federal desde 1988, como décimo-terceiro, FGTS, módulo semanal máximo de 44 horas de trabalho, férias anuais, descanso semanal remunerado, entre outros.
“O trabalhador que está no mercado, registrado em Carteira de Trabalho, ou que seja contratado posteriormente ao dia 11 de novembro, ele não perde nenhum direito garantido pela Constituição Federal”, assinala Aguiar.
Na opinião de Danilo Pieri Pereira, especialista em Direito e Processo do Trabalho do escritório Baraldi Mélega Advogados, as novas regras solucionam e regulamentam diversas questões que provocam conflitos entre trabalhadores e empresas.
“Dentre elas destaca-se o fim do imposto sindical obrigatório, a possibilidade da negociação de classes, o parcelamento das férias, a regulamentação do home office e do trabalho intermitente e a adoção de regimes de compensação de horas extras. As mudanças significam um grande avanço na relação entre empresários e empregados, que se encontrava engessada pela CLT, de inspiração no modelo da Itália fascista, desde a Era Vargas”, aponta Danilo Pieri Pereira.
Segundo o professor Antonio Carlos Aguiar, da Fundação Santo André, a prevalência do negociado pelo legislado é um ponto positivo das novas regras. “O negociado já é permitido hoje constitucionalmente, desde que haja contrapartida equivalente, concessões reciprocas, e não simples renúncia de direito. E continuará desta maneira, qualquer acordo ou negociação que retirar direitos do trabalho será considerado nulo e não terá validade”, avalia.
Para o advogado João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, as novas leis eram necessárias para acompanhar as mudanças nas relações trabalhistas. “Neste momento de crise, a reforma deve ajudar a criar novas vagas e possibilidades de contratação de empregados por empresas que antes ficavam presas em uma legislação engessada. O importante é que o trabalhador não perdeu direitos fundamentais. Vamos aguardar os próximos meses para avaliar melhor os efeitos nas relações trabalhistas e no posicionamento do Judiciário em relação a nova legislação”, analisa.
Regresso. Na avaliação dos advogados Pedro Mahin e João Gabriel Lopes, sócios do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, a reforma representa uma afronta aos direitos trabalhistas fundamentais.
“Um direito do trabalho federal assegura um mínimo de uniformidade na proteção legal conferida ao trabalhador em todo o território nacional. Com a retirada daquele mínimo ético e civilizatório do capitalismo nacional, regiões cujas condições de trabalho são as mais frágeis tendem a sofrer maiores gravames, pois os sindicatos, enfraquecidos, não terão condições de resistir à investida patronal.”
Mahin acredita que haverá ‘leilões em todas as regiões do país e a vencedora será aquela que conseguir rebaixar o nível de proteção do trabalho e do trabalhador mais aquém dos patamares mínimos estipulados na legislação trabalhista’. “A região que alcançar o maior nível de precariedade inevitavelmente atrairá os investimentos e gerará mais empregos.”
Segundo João Gabriel, a classe trabalhadora será claramente prejudicada. “As novas regras deverão achatar salários, reduzindo o acesso da população a bens e serviços essenciais para a sua sobrevivência digna; ampliará jornadas de trabalho, impedindo a construção de uma vida plena também fora da relação de trabalho; inflacionará o número de acidentes e de adoecimentos no trabalho, e gerará mais mortes por causas ligadas às atividades laborais.”
Esses especialistas também defendem que a prevalência do negociado sobre o legislado é inconstitucional e promove o retrocesso social aos acordos e às convenções coletivas de trabalho. “Garantir a manutenção das condições de trabalho previamente negociadas entre sindicatos e empregadores, até que outro acordo ou convenção coletiva de trabalho seja firmada, é uma forma de prestigiar esses instrumentos normativos e minimizar os impactos da reforma trabalhista sobre a classe trabalhadora. Os empresários seriam instados a efetivamente negociar e tratar ponto a ponto as cláusulas já escritas, as conquistas já obtidas. Os trabalhadores teriam ao seu dispor um instrumento de resistência ao desmonte da legislação social. Haveria equilíbrio na negociação”, alertam.
Ações trabalhistas têm restrições. As novas regras, segundo alguns advogados da área, alteram os procedimentos para o ingresso de ações na Justiça do Trabalho. Entre as principais alterações está sobre às custas das ações, destacam. A nova lei estabelece, por exemplo, que o trabalhador que ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho terá de pagar os honorários da perícia se o resultado dela for desfavorável ao seu pedido, ainda que seja beneficiário de Justiça Gratuita. Atualmente, a União é quem paga esta despesa.
Outro ponto relevante é sobre os honorários do advogado. Caso o trabalhador seja o perdedor da ação, ele deverá pagar valores que podem variar até 15% do valor da sentença. “Com relação aos honorários advocatícios ou de sucumbência, a nova lei diz que eles deverão ser pagos pela parte perdedora, inclusive o trabalhador. Essa é uma novidade. Não existia no Direito do Trabalho”, diz Antonio Carlos Aguiar.
A advogada trabalhista Joelma Elias dos Santos, do escritório Stuchi Advogados, explica que os honorários serão calculados com base no que a parte ganhou ou perdeu na ação. “Se em uma reclamação trabalhista o trabalhador perder tudo aquilo que pediu ele terá que arcar com a totalidade dos honorários, estando a empresa isenta de qualquer pagamento e o mesmo ocorre em caso o empregado ganhe tudo o que foi pedido, a empresa arcará com a totalidade dos honorários e o empregado ficará isento. Também podem ocorrer casos em que tanto a empresa quanto o empregado terão que pagar honorários”, informa a advogada.
Joelma dos Santos também observa que o advogado terá que produzir um pedido de forma apurada e detalhada.
“Por exemplo, o advogado ao realizar um pedido de horas extras, além de calcular o valor das horas extras propriamente ditas, terá que apurar individualmente cada um dos seus reflexos (DSR’s, 13.º salário, férias, FGTS, etc.), sob pena do pedido não ser julgado, caso o pedido não seja detalhado.”
Na opinião do professor da pós-graduação da PUC-SP e doutor em Direito do Trabalho, Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, essa nova regra ‘inibirá os advogados irresponsáveis que aproveitam a fragilidade do trabalhador para entrar com ações em pedidos sem sentido’.
“Sem dúvidas, a nova regulamentação tornará o processo mais enxuto e sem pedidos mirabolantes e que não fazem parte da realidade do trabalhador na relação com a empresa. Por este aspecto foi positivo, observa Guimarães..
Mas ele também ressalta que ‘esta nova regra que onera o trabalhador em cada pedido não considerado pelos juízes trabalhistas é um risco para o desenvolvimento da Justiça’.
“Logicamente, só saberemos os efeitos destas novas regras na prática, mas, inicialmente, este tipo de regra cria um obstáculo para a jurisprudência trabalhista. Isso porque o advogado pensará duas vezes antes de propor uma nova tese, pois, se perder, prejudicará o seu cliente, o trabalhador”, analisa.
Má-fé. Além da questão do pagamento relativo perdido, o trabalhador poderá ser condenado pela litigância de má-fé. Trata-se de uma sanção que estará expressa na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que penalizará o trabalhador que propuser ou realizar em sua ação qualquer pedido, sustentam os especialistas.
De acordo com o advogado Roberto Hadid, do escritório Yamazaki, Calazans e Vieira Dias Advogados, ‘haverá punições para quem agir com má-fé, com multa de 1% a 10% da causa, além de indenização para a parte contrária’.
“O juiz poderá aplicar as multas com mais rigor, além de indenizar a parte contraria por abuso nos pedidos sem comprovação documental ou testemunhal.”
De acordo com a nova lei, será considerado como litigante de má-fé aquele que, em juízo, praticar os seguintes atos:
A) Apresentar pedido (reclamação trabalhista) ou defesa (contestação) contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
B) Alterar a verdade dos fatos;
C) Usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
D) Opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
E) Proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
F) Provocar incidente manifestamente infundado;
G) Interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Processo em andamento. Os especialistas destacam que os processos em andamento não serão afetados quando a reforma entrar em vigor. “Ações e processos já em tramitação, ingressadas antes da reforma entrar em vigor, não serão afetados pela reforma trabalhista. Entretanto, as ações ingressadas após 11 de novembro, já seguirão as novas regras”, explica Antonio Carlos Aguiar.
Outra regra que não será afetada é com relação ao prazo para dar entrada na ação trabalhista. “O empregado tem até dois anos para entrar com a ação. Se ele for mandado embora em setembro de 2017, ele poderá ingressar com ação até setembro de 2019. Isso não muda”, explica a advogada Mayara Rodrigues, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
O QUE MUDA E O QUE NÃO MUDA
– DIREITOS GARANTIDOS: Não podem ser alterados e nem negociados os direitos relativos ao pagamento do FGTS, o recebimento do salário-mínimo e 13º salário, seguro-desemprego, repouso semanal remunerado e as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, além das regras sobre a aposentadoria, salário-família, licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias, licença-paternidade, entre outras.
– FÉRIAS: Continua sendo de 30 dias anuais; entretanto, se houver acordo entre patrões e empregados, pode ser dividida em até três vezes, desde que um dos períodos seja de 14 dias corridos e, os demais, cinco dias corridos.
– TEMPO DE PERCURSO NO TRANSPORTE E HORAS TRABALHADAS: Pela Reforma Trabalhista, o tempo gasto pelo empregado no percurso para se chegar ao local de trabalho ou no retorno para casa não poderá mais ser computado como parte da jornada de trabalho, independentemente do meio de transporte usado, mesmo o local de trabalho sendo de difícil acesso.
– INTERVALO DE ALMOÇO: O intervalo dentro da jornada de trabalho poderá ser negociado, desde que tenha pelo menos 30 minutos. Se o empregador não conceder intervalo mínimo para almoço ou for parcial, a indenização será de 50% do valor da hora normal de trabalho apenas sobre o tempo não concedido em vez de todo o tempo de intervalo devido.
– CONTRIBUIÇÃO SINDICAL: A contribuição sindical não será mais obrigatória. Agora, o pagamento será opcional.
– REGISTRO EM CARTEIRA DE TRABALHO: A nova regra prevê o aumento da multa por empregado não registrado pelo patrão para R$ 3 mil. Nos casos de microempresa e empresa de pequeno porte a multa será de R$ 800 por funcionário.
– AÇÕES NA JUSTIÇA: A nova lei altera algumas regras para o ingresso de ação na Justiça do Trabalho. Por exemplo, limita valor a ser pleiteado pelo trabalhador, estabelecendo teto para alguns pedidos de indenização. Ofensas graves cometidas por empregadores devem ser de, no máximo, 50 vezes o último salário contratual de quem foi ofendido. O trabalhador tembém poderá ter que indenizar a empresa em caso de pedidos de má-fé ou negados pelo Judiciário.
– DEMISSÃO CONSENSUAL: Trabalhadores e empresas poderão optar pela demissão em comum acordo. Por esse novo mecanismo, a multa de 40% do FGTS será reduzida para apenas 20%, e o aviso prévio ficará restrito a 15 dias. Além disso, o trabalhador pode sacar somente 80% do Fundo de Garantia, mas perde o direito de receber o seguro-desemprego.